quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Unidade do eterno e do novo

Há um paradoxo da unidade entre eterno e novo, já que eterno compreende algo que está fora do tempo e permanece idêntico a si mesmo sempre. Já o novo é algo totalmente dependente do tempo e só existe enquanto temporalidade. A essa união aparentemente impossível, dá-se o nome de arte. Segundo Merleau-Ponty, a arte é “... advento como promessa infinita de acontecimentos”. A obra de arte é a busca incessante pelo eternamente novo, uma nova maneira de apreciar o que já existe, como fez Monet ao pintar várias vezes a mesma catedral.

Alberto Caeiro, um dos pseudônimos de Fernando Pessoa afirma que o artista busca o espasmo que uma criança sentiria ao perceber que nasceu. O artista busca um mundo que nasce a todo instante, como teria sido no momento da criação, mas ao mesmo tempo busca o mundo em sua permanência.

A arte é uma forma de ver, sentir, ouvir, pensar e que a rigor não exibe nada que nos é desconhecido, mas o que fazemos parte a todo instante e não percebemos. Após transcrever um poema de Jorge Lima, o autor afirma que “o poeta transfigura a linguagem para fazê-la dizer algo, mas esse algo não existe antes, aquém, depois, além do poema, pois é o próprio poema”.

Um livro, por exemplo, transfigura em uma linguagem comum a ambos, leitor e escritor, uma explosão de sentidos que leva o leitor a ser “pego” pela estória. Da mesma forma, uma pintura ou escultura ou qualquer das artes é a transfiguração do existente numa outra realidade.

Os poetas distanciam as palavras da linguagem-instrumento, tratando as palavras como entes reais e não como meros signos ou sinais estabelecidos. Já o prosador quer que as palavras designem o mundo, mesmo que para isso seja preciso reconstruir o mundo todo através das palavras.

A obra de arte é, assim, o desvendamento do mundo através da recriação do mesmo. A música, por exemplo, seria destruída se tentássemos ouvi-la no seu âmbito físico, como vibração de um corpo. A sua harmonia, combinação de sons e ritmo cria um muno sonoro que é ela própria.

Arte e Técnica

A palavra arte, etimologicamente, está relacionada à toda espécie de atividade humana submetida a regras. Em sentido amplo, arte é um conjunto de regras para dirigir uma atividade humana qualquer. Apesar desse amplo sentido, ao longo do tempo houve separações, que começaram com Platão, em sua distinção entre dois tipos de artes ou técnicas: as judicativas, dedicadas apenas ao conhecimento; e as dispositivas, voltadas para uma atividade.

Aristóteles estabeleceu a distinção do necessário, ou que não pode ser diferente do que é; e o contingente, ou o que pode ser diferente do que é. Platino completa a distinção separando as artes que auxiliam a natureza (medicina, agricultura, etc.) daquelas cuja finalidade é fabricar um objeto com os materiais oferecidos pela natureza (artesanato). Ainda acrescenta uma técnica não relacionada à natureza, apenas ao próprio homem, como a retórica, a música, etc.

As sociedades antigas geraram uma classificação que seguia a estrutura social escravista: as artes liberais, ou aquelas que exigem apenas do intelecto; e aquelas relacionadas ao trabalho e, portanto, inferiores. Após o Renascimento houve uma valorização das artes mecânicas. Com o desenvolvimento do capitalismo, o trabalho passou a ser fonte e causa de riquezas. Daí surge a separação entre a arte como sendo o belo, e a técnica como sendo o útil.

A partir do século XX as artes tornam-se trabalho da expressão e mostram que são inseparáveis da ciência e da técnica. A pintura e a arquitetura do séc. XX seriam incompreensíveis sem a matemática, a teoria da harmonia, a física e a óptica. A novidade é que agora as artes não buscam ocultar esse fato, elas se referem aquelas explicitamente.

Três manifestações contemporâneas ilustram a comunicação entre arte e técnica: a fotografia; o cinema e o design. A fotografia e o cinema, a princípio surgem como reprodução da realidade, porém, como o tempo, passam a ser artes da expressão. O design introduz as artes na produção fabril, produzindo objetos técnicos. A diferença entre arte e objeto técnico é que o último tem como principal atributo a funcionalidade.

Este tema é bastante polêmico, visto que a maioria designers não se considera artista e nega cumplicidade com as artes. O designer deve ter disciplina, atender a requisitos de mercado, especificações técnicas e normativas, de segurança, usabilidade e ergonomia. Emprestando algumas palavras, “se além de tudo isso ele se considerar um artista, deve-se perguntar se não é um ser sobrenatural”.

Arte e Religião

Trabalho e religião foram as duas primeiras manifestações culturais. Sendo a religião uma forma de sociabilidade e autoridade. A relação humana com o sagrado, o divino em suas mais diversas manifestações, gerou uma ritualização de atividades e acontecimentos, como a colheita, a passagem do dia para a noite, entre outros.

As artes existem no interior dos cultos e para servi-los. Assim o artistarealizava um ofício sagrado, recebendo educação especial para isso e respeitando as regras e normas para a fabricação de objetos ou outras formas de representação.

A dimensão religiosa deu as obras de arte uma qualidade: a aura. A autenticidade, a unicidade da obra, o que dá a ela a transcendência. Mesmo após o distanciamento entre arte e religião, as obras não perderam sua aura. Devido a isso o artista ainda é visto como gênio criador, mentor de uma obra excepcional, mágico.

Arte e Filosofia

A princípio, as artes foram analisadas no contexto da poética pelos filósofos gregos Platão e Aristóteles. Essa óptica sugere o estudo das obras de arte como fabricação de seres e gestos artificiais, ou seja, produzidos por seres humanos.

Por volta de 1750 o termo estética foi usado pela primeira vez. Aos poucos passou a substituir a poética. A estética sugere que a finalidade de uma obra é a contemplação, a busca do belo, e que o belo é diferente do verdadeiro.

No início do século XX, porém, o critério de avaliação das obras de arte muda. As artes passam a ser vistas de outras perspectivas, tais como a expressividade, a interpretação e a crítica da realidade social e inovação em procedimentos criadores.

Relação entre Arte e Natureza

A primeira relação entre arte e natureza foi a de imitação. Por meio das várias formas de arte, o artista busca imitar outros seres com materiais e formas adequados.

Após o Romantismo, a filosofia passa a definir a obra de arte como criação. Em oposição à concepção anterior que buscava o valor do objeto imitado, agora o valor está na imaginação criadora, no artista.

Outra concepção contemporânea valoriza a expressão de um sentido novo, coloca o artista numa relação contínua com a natureza e com a sociedade, rejeitando a visão de gênio criador solitário e excepcional.

Relação entre Arte e Humano

Há duas concepções de arte que percorrem a história das relações entre arte e homem: a de Platão, que considera a arte um conhecimento, porém no plano mais baixo, pois é apenas a imitação do sensível; e a de Aristóteles, que toma a arte como atividade prática.

Na Renascença, a visão platônica é modificada e a arte passa a ser mais valorizada. Isso ocorre devido a idéia de que Deus criou o homem com capacidade de criar novos mundos e até deuses, e isso se dá por meio da arte.

Essa é uma concepção estranha, impregnada de religiosidade, pois a criação de um novo ser implica a criação de vida autogovernável (no sentido estrito) e, apesar de algumas formas de arte até serem dotadas de movimento, caracterizam uma forma de linguagem, possuem vida apenas na sua comunicação com os espectadores, e apenas, os que conhecem tal linguagem.

Finalidades-Funções da Arte

Duas concepções de funções predominam na história das artes: a pedagógica e a expressiva.

A concepção pedagógica inicia com Platão e Aristóteles. Platão, porém, exclui poetas, pintores e escultores, pois estes apenas imitam o sensível. Dança e música, segundo ele, são disciplinas fundamentais na formação do corpo e da alma. Aristóteles desenvolve longamente o papel das artes (com ênfase na tragédia), que purificaria espiritualmente os espectadores.
Vários filósofos contemporâneos como Kant e Hegel, defendem o papel educativo das artes. Assim, por ter uma relação intrínseca com a sociedade, a arte também deve ser crítica social e política, interpretação do presente e imaginação do futuro.

Em outra perspectiva, a arte é tida como expressiva. Um mundo novo é criado para nos fazer entender o real. Segundo essa concepção, a arte é alegórica e simbólica.

A concepção de arte como símbolo é motivo de controvérsias entre vários autores, engajados no subjetivismo e no objetivismo das artes. Os últimos afirmam que a arte não pode,em um panorama geral, ser simbólica, pois não se pode definir o seu objeto, ou seja, “simbólico de quê?”. Entre eles destaca-se David Best, que dedicou vários volumes ao papel das artes na educação.

A obra de arte surge de um duplo ponto de partida: o desejo do artista de exprimir alguma coisa que ainda não sabe bem o que é; e o excesso de significações de outras obras. A primeira afirmação é duvidosa, afinal se o artista não sabe o que exprimir, como ele o faz? Nesse caso exprimiria dúvida em todas as suas obras ou simplesmente não exprimiria nada de seu, pois a obra significaria alguma coisa que ela próprio desconhece e passaria a conhecer somente após vê-la terminada, o que o tornaria comparável a um espectador qualquer.

Arte e Sociedade

Também nesse aspecto há o dualismo. De um lado defende-se a arte “pura”, “arte pela arte”, sem influência dos acontecimentos externos; de outro, há as artes engajadas, que passa uma mensagem e é meio de divulgação e conscientização da sociedade.

Indústria Cultural

A modernidade libertou as artes da religião e a submetetu a uma nova servidão: o mercado capitalista. As obras de arte viraram mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo.

Embora exista uma massificação, o acesso à arte não é pleno por toda a população, há a obra de arte elitizada e a massificada. A seleção do que é cada uma delas é dá-se pelo preço atribuído a cada uma delas.

Por vender cultura, a indústria cultural deve convencer o consumidor, não incomodá-lo de forma alguma (o que é propósito de muitas obras), pois o que perturba não vende. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual.

Os meios de comunicação

Os meios de comunicação mais afetados pela indústria cultural são o rádio e a televisão. Isso se manifesta inicialmente pela divisão de horários e públicos. Essa divisão é feita para atender às exigência dos patrocinadores, que veiculam suas marcas de acordo com o público alvo e horário apropriado. Além disso, os patrocinadores controlam a programação, pois caso alguma informação desagradável seja veiculada, pode implicar no fim do patrocínio.

A desinformação é o principal resultado oferecido pelos noticiários. A falta de localização espacial faz com que os espectadores coloquem notícias de vários lugares do mundo como igualmente distantes ou igualmente próximas. Há também a falta de localização temporal, onde não há a ligação entre os fatos e o passado e os efeitos futuros.

Um efeito negativo da mídia nos espectadores é o criado pela divisão do conteúdo em blocos, intercalados com intervalos comerciais, nos quais há a dispersão de atenção. Pouco a pouco, isso se torna um hábito, usado em várias ocasiões rotineiras, como por exemplo ler um livro. Assim, um jovem não consegue ler mais do que dez minutos de cada vez e não suportam a idéia de ler um livro inteiro.

Outro efeito negativo da mídia é a infantilização do público. Um indivíduo é infantil quando não tolera o intervalo de tempo entre um desejo e sua satisfação. Por oferecer satisfação instantânea ao espectador, a mídia faz com que o espectador assuma essa postura e este passa a não tolerar esse intervalo. Um bom exemplo é o telespectador que troca de canal compulsivamente, pois acha que a satisfação de sua necessidade o aguarda em outro canal.

Há ainda o autoritarismo da indústria cultural. Isso se manifesta por exemplo nos programas que ensinam ao público cada ato de sua existência, como viver, criar os filhos, fazer sexo e ter o corpo juvenil. Esse processo ocorre por intimidação social, visto que o público não tem preparação para analisar criticamente as informações e por isso deve seguir o “padrão”.

Como conclusão pode-se dizer que essa falsa democratização das arte e a sua vulgarização ocorrem por dois motivos principais: iludir o público, mantendo-o passivo e supostamente saciado; e maximizar lucros, afinal tudo é mercadoria.

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