"Muito prazer, eu não sou Emmanuel". A inusitada apresentação é do estudante Guilherme Romano, 21 anos, na tentativa de desfazer a notícia mais aguardada entre os seguidores do kardecismo, em especial os admiradores do médium mineiro Chico Xavier, morto aos 92 anos em 2002.
— Toda vez que eu chego a algum lugar, as pessoas dizem assim: 'Você é o Emmanuel?'. 'Não, não, sou'. Já chego falando que não sou'. Já teve várias pessoas que disseram: 'Você pensa que me engana?' — relata Guilherme, às gargalhadas, durante visita para palestra no Movimento de Amor ao Próximo (MAP), no Recreio dos Bandeirantes.
Chico Xavier chegou a descrever em conversas e até entrevistas como voltaria a vida o seu benfeitor, o espírito que o teria auxiliado desde um encontro numa cachoeira em Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, nos anos 30, até meados de 1996. O farto material que teria produzido em psicografias, afirmava o médium, teria nascido por colaboração desse espírito.
Tudo o que se sabe, segundo os relatos de Chico Xavier e dos mais próximos ao médium, é que um menino teria nascido entre 2000 e 2001, no interior de São Paulo, em uma família kardecista e que manifestaria bem jovem os dons mediúnicos. E mais: ele seria professor e com grande capacidade para ensinar. Guilherme Romano se encaixa bem em boa parte da descrição.
— Eu nasci na Zona Leste de São Paulo. Sou médium desde que eu nasci. Tive o privilégio de nascer numa família espírita. Comecei minha caminhada espiritual na Casa Perseverança, também na Zona Leste de São Paulo, um dos maiores centros espíritas do mundo, lá com dona Guiomar (de Oliveira Albanesi), discípula do Chico.
A vontade de ensinar, apesar da juventude, está presente. Estuda Filosofia na Universidade de São Paulo e pretende ser professor. Já escreveu dois livros. O primeiro é "A eterna dança cósmica". O segundo, pronto, ainda será lançado. Atualmente dá palestras sobre espiritualidade em centros espíritas. É um dos fundadores do Núcleo de Estudos Espiritualistas Luz da Nova Alvorada (Neelna), em São Paulo.
A idade de Guilherme Romano, porém, não bate com a profecia sobre o Iluminado. Guilherme nasceu em 1993. Neste período, o médium mineiro ainda alegava ser assessorado por Emmanuel. Em conversas com amigos, Chico teria relatado que o benfeitor o teria deixado somente por volta de 1996 para se dedicar a reencarnação.
Emmanuel retornaria para a gestação em uma família kardecista no fim dos anos 90 e nasceria por volta do ano 2000 ou 2001. Hoje, o Iluminado estaria, portanto, com 15 anos, possivelmente já familiarizado com fenômenos mediúnicos. A diferença de seis anos invibializa que Guilherme, no entendimento dos mais próximos a Chico, seja Emmanuel.
A suspeita sobre Guilherme só surgiu há pouco mais de três anos. Em 2007, ele participou do programa "Mais Você", da TV Globo. A entrevista com a apresentadora Ana Maria Braga era sobre a mediunidade precoce. Não se levantou a possibilidade de ele ser o mentor de Chico. O que só ocorreria cinco anos depois, quando o vídeo com a entrevista foi colocado nas redes sociais.
— Começaram a dizer: 'Olha, ele é superparecido. Tem uma vontade de educar, de trabalhar com educação', que é o que eu sempre falei. 'E gosta de falar, de escrever. Então, ele é o Emmanuel' — relata Guilherme.
Parecia que a profecia estava consumada. Sites e fóruns espíritas discutiam as semelhanças. A prova: a foto de Guilherme, aos 13 anos, e a imagem de Emmanuel, em pintura a óleo do pintor Delpino Júnior, que teria sido elaborada com ajuda de espíritos e de Chico Xavier.
Como o vídeo foi colocado nas redes sociais com cinco anos de atraso, a diferença entre a idade prevista na profecia para o Iluminado e a real idade de Guilherme desapareceu. O jovem médium paulista negou até em vídeo, postado em seu blog, que fosse Emmanuel.
O debate ganhou espaço entre os que se declaram espíritas. No Brasil, segundo o Censo de 2010, são 3,8 milhões de espíritas, sem especificar os da linha kardecista. Kardecista é o que segue a doutrina do francês Allan Kardec, a mesma que Chico Xavier deu continuidade. Emmanuel seria o responsável por completar o trabalho. O médium mineiro afirmara que ele passaria a ser o benfeitor de Emmanuel. Os papéis se inverteriam.
Geraldo Lemos Neto, presidente da Casa de Chico Xavier, em Pedro Leopoldo, não acredita que Guilherme possa ser Emmanuel. A idade não bate.
— O Chico começou a fazer revelações sobre o assunto em 1973 em entrevista a Hebe (Camargo), na TV Record de São Paulo. Confirma isso em dois livros: "Livro entrevista", de 1975, e "A terra e o semeador", de 1978. E, no Programa do Gugu, responde que Emmanuel reencarnará no fim de 1999 — explica Geraldo.
Segundo Geraldo, talvez ainda não esteja na hora de o Emmanuel reencarnado ser reconhecido. O próprio Chico Xavier só entrou para o espiritismo aos 17 anos.
— Chico falou que Emmanuel seria reconhecido pela obra e pela psicografia. Seria um médium psicógrafo. Hoje deve ser um garoto de 15 anos — diz Geraldo.
Apenas duas pessoas saberiam quem é Emmanuel. Os próprios pais do jovem, que também seriam reencarnações de dois personagens retratados no livro e no filme "Nosso Lar", uma das obras psicografadas por Chico Xavier. Em encontro com amigos de Chico, em 2011, segundo Geraldo, Eurípedes Higino, filho adotivo do médium, contou que Chico teria visitado a família para conhecer o menino, em 2001. Se isso ocorreu, Chico, com idade avançada e doente, precisaria que alguém o acompanhasse, aumentando a possibilidade de mais pessoas guardarem o segredo. Procurado pelo GLOBO por telefone, Eurípedes, por intermédio de sua secretária, informou que só daria entrevista pessoalmente.
Guilherme nasceu na Zona Leste da capital paulista e não no interior. E tem 21 anos, cinco ou seis a mais do que teria o Iluminado. Por enquanto, é o mais próximo que surgiu da descrição. O fato de possuir cova no queixo, exatamente como a figura que retrataria Emmanuel, poderia ser conta do acaso. Outra coincidência é o fato de ter Romano como sobrenome, o que remete à vida passada na qual, segundo kardecistas, teria sido a experiência mais marcante de Emmanuel. Ele teria sido um consul romano, chamado Publius Lentulus, e teria se encontrado cara a cara com Jesus de Nazaré. Então, as semelhanças com Emmanuel seriam obras do acaso?
— O espiritismo vai dizer que não existem acasos, né? Passei a questionar muito o valor e o fim útil de todas as coisas. Qual é o valor final de saber uma coisa dessas? Por que é tão importante eu saber a identidade de alguém se eu não conheço nem a minha identidade última, aquela que eu preciso dilapidar, conhecer e transformar para adquirir um estado de contentamento, de autopercepção, muito maiores do que aqueles em que o meu ego e minha ignorância me colocaram até agora? - questiona
Para muitos que acreditam na doutrina espírita, a comprovação de quem venha a ser considerado Emmanuel não se dará por certidão ou papel timbrado. Seriam pequenos sinais. Mesmo Chico Xavier, considerado por muitos como o maior médium de todos os tempos, conviveu com suspeitas semelhantes. Muitos achavam que ele fosse a reencarnação de Allan Kardec, motivo de discódia entre seguidores do kardecismo. Dúvida e fé caminham juntas.
“EU VEJO PESSOAS MORTAS”
A famosa frase dita pelo menino (Haley Joel Osment) no filme "Sexto sentido" (1999) - "I see dead people" (Eu vejo pessoas mortas), com Bruce Willis no elenco -, tem tudo a ver com a infância de Guilherme Romano.
— Diziam que eu era o garoto do filme. Passava mal em cemitérios. Via o espírito da pessoa ainda apegado ao corpo, querendo ficar ali, sendo enterrado junto. Era um desespero — relata ele.
Guilherme misturava os dois mundos. Não saberia distinguir quando via um vivo ou um morto. Aos seis anos, estava na parte de trás de uma Fiorino presa a um enorme engarrafamento em São Paulo. Ele teria alertado ao pai que a causa seria um acidente de trânsito. O pai quis saber como ele poderia ter certeza do que estava dizendo.
— Eu disse para o meu pai que o morto estava atrás no carro comigo. Era um motoqueiro e ele começou a negar que estivesse morto: 'Olha, estou falando com você...' Eu tive de contar com a ajuda de minha mentora para explicar o que havia acontecido a ele.
A partir dos seis anos, Guilherme relata que via monstros. Para assustá-lo, os espíritos atrasados assumiriam as formas temidas por ele em pesâdelos. Apesar de ter nascido em família kardecista, o jovem contou com ajuda médica. Frequentou consultórios de psicólogos até os 17 anos. Até fez tomografia para saber se não era esquizôfrenico.
— Chegou a um momento de eu questionar até a sanidade. Começava nas psicólogas recebendo consulta. Passava um tempo, eu estava dando consulta para elas.
A reviravolta ocorreu quando disse ter recebido orientações do seu guru espiritual, que identifica como Sri Swami Shivaharyànanda, para viajar à Índia e mergulhar em uma nova experiência de vida. Ele garante ter voltado renovado. Atualmente, vive com o que ganha em cursos de Raja Yoga e técnicas de controle da mente, espiritualidade e filosofia, além da renda de seus livros. Para os trabalhos com dons mediúnicos, afirma nada cobrar. É presidente da Irmandade Luz da Nova Alvorada.
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